Saturday, August 20, 2011

carta ao pai #12


pai,

para todos os lados onde íamos. santiago do cacém. para a direita. para a esquerda. em frente. todas as estradas me queriam levar até ti, pai. e eu reconheci cantos e recantos. e quis contar-te tudo. que estive em são torpes e em sines e andei perto do paiol. passei pela soneca (sonega) e reconheci a estrada. e tive de me esforçar para não dizer "a ver se pergunto ao meu pai se nós quando vínhamos à pesca, vínhamos para estes lados. é que eu conheço esta estrada." e são torpes. lembrei-me da última vez que lá estive. com o fábio. sabes que vi o fábio, pai. não nos víamos há anos. e os anos não nos fizeram qualquer diferença. continuamos a ser os primos que sempre fomos desde pequenos. e sabes que queria lá ter ido. a santiago. queria ter ido à casa da tia glória e à casa da tia emília e à rua da escola. à rua da escola. à rua da escola, pai. e sabes que no regresso era capaz de jurar que tinha reconhecido a "nossa" saída para santiago. e acho que contornei toda santiago do cacém. e não pus lá os pés. na cidade. mas sabes que me senti em casa? sabes que fazer estradas que sei que fiz durante tantos anos me soube a estar em casa. ir a são torpes, então. e sines. não me lembrava de sines. lembrava-me só do quiosque. da casa dos primos. mas são torpes parece que nunca esqueci. falei disso com o fábio. há anos. e outras coisas parvas, pai. a gambia e o pinheiro por causa da tua piada. história? acho que história. aquela. tu sabes. "olha o pinheiro, marques". albergaria lembra-me de ti, não sei porquê. e estradas e caminhos e vezes que pensei que tu saberias. tu conhecerias. tu poderias dizer-me. e eu queria dizer-te que estive aqui e ali. e tu irias perguntar-me por onde fui. e eu respondia. e iríamos os dois ficar a debater estradas e caminhos. e tu ias teimar que seria melhor por outro caminho, ou que a estrada que eu segui não existe e ambos sabemos que iríamos acabar debruçados sobre o mapa [tal pai, tal filha] e eu dizia-te que tinha ido por aqui e apontava-te com o dedo, enquanto tu punhas e ajustavas os teus óculos e olhavas com atenção. e eu dizia-te. aqui e passei aqui. e tu terias algo a dizer-me sobre as estradas e sobre os sítios e quem lá mora. e tudo, pai. e contar-te tudo. e rires de ter andando às voltas em setúbal. em setúbal! e nem preciso de me esforçar para te ouvir dizer por onde deveria ter ido. e as tuas conversas ressoaram em mim toda a semana, pai. e o teu riso e o que me terias dito. e saber que estive tão perto de casa, tão perto da tua casa. e sentir-ma lá bem. e um dia vou lá, pai. prometo. mas se não foi desta, é porque ainda não era para ser. um dia vou lá. e vou ouvir as tuas histórias e as tuas conversas. prometo. garanto-te. eu posso garantir porque te oiço sempre, onde quer que esteja.


Tuesday, August 09, 2011

# 106

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moínha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. 



Miguel Esteves Cardoso, Último Volume


# 105

querido, r.,

i miss you. lembro-me de tudo, sabes? das noites transformadas em madrugadas transformadas em manhãs. lembro-me de tudo. das palavras que dizias. dos sorrisos que eu te lançava. sabes que contei partes da nossa história e sabes que ainda abrem muito os olhos quando lhes conto que fugi contigo e ainda parecem ver o que nós sentimos? sabes que tenho passado minutos na janela. à espera. r., always & forever. lembro-me de tudo, r. sabes que se me pedisses para ir, eu ia? não por estar perdidamente apaixonada, mas por seres tu. e porque iria onde me levasses. [lembraste?]

i miss you. às vezes, passeio até ao passado. não sempre, mas quando passeio, faço questão de lá ir buscar o que sentia, para me sentir viva, para saber que ainda me é possível sentir. sabes que estar sem ti ainda me sufoca. desculpa. desculpa. desculpa, mas sufoca. sabes que contigo é tão fácil e simples que às vezes, retenho a respiração e fico suspensa no tempo a observar de coração nas mãos o nosso desenrolar. ainda somos tão nossos na nossa maneira de ser. somos tão naturais que não é sequer normal. não me entendas mal. se te escrevo aqui, é porque, se calhar sinto que já não tenho o direito de te dizer isto. e sim, eu sei. posso sempre dizer-te tudo. mas sabes. quando falo contigo, sai-me o teu nome. e quando te escrevo, tenho de apagar muitas vezes a palavra amor e substituí-la. escrever-me sai-me mais da alma, e para a minha alma ainda és amor. still.

i miss you. e trocávamos músicas e falávamos de tudo e de nada e íamos devagarinho sussurrando para os cantos um amor que ainda nos era desconhecido e que hoje. after all this time. hoje ainda não nos largou completamente. will it ever? confesso que te quero levar no meu coração sempre. sabes porque corro para ti quando preciso de algo, de alguém? porque é fácil. porque me deixas ser e sabes ser comigo e para mim, sendo tu.

i think about you every day, amor.
fico deitada a pensar em ti, amor.

não me odeies por voltar a escrever-te aqui. sabes que se deixei foi por isto e por aquilo. 
querido r., se dependesse de mim, terias toda a felicidade do mundo, mesmo que não acredites nela.
sabes, quando páro para pensar um bocadinho naquilo que chamo "wtf are we doing?", penso que o que estamos a fazer é a nossa maior prova de amor [como se alguma vez tivessem sido necessárias]: querer que o outro esteja bem, como quer que seja e apoiando sempre. sempre, r.

always & forever.

sabes que em tempos me disseram aqui que eu descrevia o amor como ninguém. se calhar, é porque o senti além do amor. se calhar, foi porque. e porque.
e sabes que sorrio quando penso em nós? penso que somos tão grandes face à vida e face a tudo. penso que, vistas bem as coisas, sobrevivemos a tudo. tudo tudo.

onde outros tombaram, nós continuamos de pé. juntos. sempre, caminhando por perto. sempre lá, r. sempre.

always & forever.



duh

depois ocorreu-me: e escrever, marina?
andas com este ano e tal a sufocar-te as entranhas porquê?

pois.


Monday, August 08, 2011

carta ao pai #11

pai,

merda.
ajuda-me.
o que é que eu faço?


Thursday, August 04, 2011

# 104

i meant:
i'm sorry. it's not ok.
yet.

Monday, July 25, 2011

*

It's always gonna be there, isn't it? You and me?



One Tree Hill


Wednesday, July 20, 2011

echoes, silence, patience and grace



There's just silence...There's just silence. I come in here and I sit in silence and hear the echoes of who we used to be. And so I wish for patience, and grace, and strength to just let him be happy. Mostly I pray for the strength to not make his life worse because of what I want. That's the toughest part, letting go, you know? That's the part of grace that really sucks.


- One Tree Hill

Wednesday, July 06, 2011

# 103

o meu pai costumava dizer que era muito triste as pessoas ficarem sozinhas, porque não tinham quem lhes aquecesse os pés à noite.

acho que o problema está aí: quando as pessoas morrem, não há nada a fazer. morreram não por vontade nossa e não por vontade delas.
mas quando alguém escolhe que não nos quer por perto, é diferente. há uma escolha e nós não somos essa escolha.

# 102

- olá, mariana.
- olá, marina, estás boa? eu bem estava a reconhecer o carro.
- é, muita gente reconhece.

Friday, June 24, 2011

# 101

- ah, eu bem me parecia que tinha conhecido o carro!
- ah, olá...
- fiquei a olhar e pensei mesmo "acho mesmo que este é o carro do zé caladinho".
- sim, é.

Tuesday, June 21, 2011

# 100

 What's that? A book?!


 Can't we just play instead?


 OK, let me see what that tastes like...


Pretty please?...


Monday, June 20, 2011

# 99




may they watch over you. 

Saturday, May 21, 2011

# 98

oh dear dad, how this weekend is tough on me.

Monday, May 09, 2011

Striking a Balance: Home Practice and Yoga Classes



Wednesday, May 04, 2011

5 Things I Learned from Yoga & Use in Difficult Times

http://www.mindbodygreen.com/0-2363/5-Things-I-Learned-from-Yoga-Use-in-Difficult-Times.html

 :)

Friday, April 29, 2011

carta ao pai #10

pai,

chegaram hoje para levar as tuas coisas. as tuas mesas, os teus materiais. as coisas que foste acumulando ao longo dos anos, para um dia mais tarde fazer, continuar, preparar. abriram a casinha, lá estava o andaime, onde me sentei, como se estivesse no topo do mundo, durante tantas horas há... mais de dez anos? vão levar tudo.

sabes que mais?

faz mal.

Wednesday, April 27, 2011

carta ao pai #9

pai,

posso vir a ser uma pseudo-escritora. ou não. posso só vir a escrever.
o que quer que seja, é por tua causa.
e cada escrita será uma homenagem à herança que me deixaste.

obrigada.

Friday, April 22, 2011

a vida #21

ontem passei pelo carraspana.
era, de alguma maneira, o nosso restaurante, pai.

Monday, April 18, 2011

# 97

- esta menina... esta menina é do zé, não é?
- é, sim, senhora.

Wednesday, March 23, 2011

feliz 62º aniversário, Pai.



<3


Saturday, March 19, 2011

feliz dia do pai, Pai.



Tuesday, March 08, 2011

carta ao pai #8

pai,

sequência interessante de acontecimentos: aniversário da mãe ontem. hoje de manhã fomos as três ao cemitério escolher todos os pormenores da tua campa. o rex morreu à tarde.

acho que a mãe não se ressentiu muito pelo aniversário dela. quis ir ao cemitério, mas tirando isso, nada de especial. eu não fui porque tenho estado doente. jantámos por cá. e pronto. foi mais ou menos um dia como todos os outros.

a tua campa vai ser simples. não básica, mas não demasiado ornamentada. vamos pedir um pergaminho, se o senhor fizer, porque é mais giro. esperemos que aquilo que queremos não fique mesmo demasiado caro. lembrei-me que talvez pudéssemos pôr alguma quadra de um poeta que gostasses. a mana lembrou-se uma coisa que tu dizias do bocage - meia palavra dita e eu, como boa entendedora, reconheci logo o que era.  há tantos anos que não a dizias. depois fui ver e não era bocage, mas antónio aleixo. e o que a quadra que tu nos dizias do antónio aleixo era esta:

sei que pareço um ladrão,
mas há muitos que eu conheço,
que não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

é a tua cara chapada e, se calhar, se não fosse pela palavra ladrão até insistia para pormos isso algures na tua campa. depois, tive a ler um bocadinho sobre o aleixo e percebi por que motivo gostavas das coisas dele. são breves, directas, por vezes, cínicas e irónicas, e combinam bem contigo. (sim, hei-de comprar um livro dele) é só que a lenga-lenga das saudades e das filhas, esposa e netos e a família toda é.... nhecs. queria lá pôr algo mais teu. algo que tu dissesses (um dia fui a belas, e em belas belas vi, mas a bela que  eu lá vi, eras ti - sim, também sei que não é da tua autoria), algo que nos fizesses reconhecer-te (não digas mal do velhinho, que tu vais pelo mesmo caminho - tua autoria?).
é possível que sim. esta semana, a mãe vai combinar com o senhor para lhe mostrar o que queremos e acertar esses pormenores.

e agora o rex. tenho o coração pesado de culpa que tu nem sabes. quase tão pesado como quando ficaste com a pancreatite e eu e a mana quase que batemos com as cabeças nas paredes de tanta dúvida, se teria sido por nossa causa que tinhas ficado assim.
bem, já sabias que ele estava doente, eu já te tinha contado. mas hoje foi demais, começou com mais ataques e mais fortes e custava-se muito a mexer e a mãe, já sabes, rainha da inacção, ai que o cão morre. mas eu pensei, o caraças! o caraças se eu deixo o cão do meu pai morrer assim. na verdade, pensei em inglês, mas não vale a pena falar contigo em inglês. e desatei a ligar para tudo o que era sítio (o facto de ser feriado não ajudou em nada) e a mãe sempre a dizer que não queria tratamentos e para eu ver se era muito caro, que o rex não era uma pessoa.
sim, ok, não é uma pessoa, mas é para deixá-lo morrer assim?
liguei, liguei. já com lágrimas derramadas e o caraças se eu o deixo morrer assim.
e lá consegui um hospital veterinário, no barreiro, que não faziam domicílios hoje, mas expliquei a situação e lá vieram. isto foi antes de almoço. só podiam vir às 15h30. que espera insuportável e eu sempre a espreitar o cão, que ora tinha outro ataque e ficava ali deitado no chão, ora andava à deriva pelo quintal, a ir contra as coisas, já todo sujo, de tanto se roçar no chão. e quando chegaram, fui lá sozinha recebê-las e comecei logo a chorar (a surpresa!) e ainda o examinaram e viram as análises que ele fez e a medicação que estava a fazer e ainda tive um bocadinho com ele e depois, pronto, terminaram-no. eu autorizei que o matassem.
a veterinária olhou para mim, qual senhor da agência funerária no dia do teu funeral, e eu, novamente, acenei com a cabeça.

sim, matem o meu cão.
sim, enterrem o meu pai.

ainda me perguntou se queria ficar ali a assistir e eu pensei, fiquei até ao fim de um, fico até ao fim do outro. e fiquei. e ele morreu dentro de muito pouco tempo e já não ia sofrer nunca mais. e eu devia estar aliviada, não é? consegui tomar a difícil decisão de lhe aliviar todo o sofrimento, mas só senti culpa. achas que ele me perdoa o que fiz? ele estava morto e era por minha causa.

(tu tiveste a pancreatite e seria por nossa causa?)

e não há mais rex. os homens estão a deixar esta casa.

mas antes de ele morrer, quando estive com ele, disse-lhe mentalmente para te encontrar a ti. espero bem que o tenha feito.

# 96


1999 - 2011

the waiting drove me mad

novamente, decisões de vida e morte.
é como se eu assinasse sentenças, agora.
e decido onde fica o corpo.

Saturday, February 26, 2011

carta ao pai #7

pai,

novo desenvolvimento: aumentei o volume do rádio do carro. sem mudar a estação. sim, tenho ouvido a antena 1. desculpa, mas não tive coragem de mexer nos teus postos de rádio. de mudar aquela que foi a última escolha que fizeste em vida no rádio do teu carro.

isto significa que tenho ouvido fado e notícias e relatos de futebol.
há relatos que não nos interessam.

mas esta semana, apanhei o final do benfica com o estugarda. e sabes o que aconteceu? apercebi-me que estava no teu carro, a ouvir o teu posto de rádio, a ouvir o clube do qual tu me ensinaste a gostar ganhar um jogo, a caminho de uma casa na qual tu já não vives.

descobri segundos depois que já estou extremamente treinada a conduzir e a chorar em simultaneamente. achas que se tiver um acidente e disser "eu estava a chorar porque o meu pai morreu" é motivo suficiente?

percebi que onde mais choro é no carro, porque não tenho de fingir o que quer que seja. sou só e o teu carro e sei que tu não levas a mal. acredito genuinamente que ninguém teria paciência para o que se passa dentro de mim. e sei que tu não levas a mal.

ultimamente, tenho-me apercebido que quando me sinto melhor é quando não me lembro que morreste. e nos últimos dias, tenho-me lembrado muito de que morreste. acho que foi muito pelo carro, sabes? o ter realmente de tomar iniciativa para tratar do teu carro (sim, eu sei que é meu, mas é teu). e a bárbara fez anos.

e daqui a uns dias é março.

é março, pai.

tu e a mãe fazem anos em março.

estás a perceber?

não?

o que eu quero dizer é: acaba lá com esta merda e volta para casa.

não vês que tenho saudades tuas que parece que me apertam o peito e me tiram o ar dos pulmões?

Monday, February 21, 2011

carta ao pai #6

pai,

em dias de jogos voltavas do café e dizias-me os resultados e contavas-me peripécias. e se o benfica ganhasse, até me trazias um chocolate.

ninguém percebe o que foi a semana passada. e ninguém compreende o que é e será esta semana. e estamos aqui estamos em março.

e a bárbara fez anos.

e é como se fossemos feitas de algum material que guarda vácuo no interior. é como se eu já tivesse visto melhores dias.

está tudo bem com o carro. passou na inspecção. quem fez a inspecção foi o macieira, que trabalhou com a mãe. foi uma coincidência engraçada. e ainda me hás-de dizer que raio fizeste tu ao carro no ano passado para ele precisar de tanta coisa este ano.

escolhemos a tua foto. estamos em processo de escolher a tua campa. queria tanto saber se fica tudo a teu gosto.

queria tanto saber.


ah, o benfica ganhou.
deves-me um chocolate.

Friday, February 18, 2011

#95

às vezes farto-me de abraços electrónicos.

Monday, February 14, 2011

carta ao pai #5

pai,

3 assuntos:
a carta;
a oficina;
o rex.

sexta-feira quando cheguei a casa, estava lá, em cima da máquina de lavar uma carta. dizia assim JOSÉ ANTÓNIO CALADO e por baixo tinha a nossa morada. era uma carta de santa marta, a remarcar a tua consulta com o doutor sérgio. nós gostávamos do doutor sérgio, lembras-te? foi quem esteve connosco quando se deu a tua primeira operação. à perna esquerda, lembras-te? lembras-te, pois. disseste que foram as piores dores que alguma vez tinhas sentido. não me esqueci do pacote de leite. oh, que fui buscar às máquinas e depois ouvimos dos médicos que não te devíamos ter dado nada. sim. mas pronto, recebemos essa carta. fiquei a olhar para ela uns tempos, a pensar se não seria suposto os hospitais comunicarem entre si. mas depois, lembrei-me que no dia do teu funeral, a mana recebeu uma chama do próprio IPO para saberem como te estavas a dar com a medicação. por isso.

hoje, fui à oficina, ao senhor onde íamos deixar o rover. não faço ideia do que andaste a fazer com o carro, por isso achei melhor levá-lo lá antes de ir à inspecção (sim, já a marquei para sábado e não, a senhora do seguro ainda não me ligou). comecei a falar com o senhor, a explicar que queria lá deixar o carro amanhã, mas que como ia para lisboa, precisava de saber a que horas fechavam e tal. e olhou para mim, até que eu disse. ou melhor, não disse, enchi a boca com estas palavras "eu sou a filha do zé calado." uff, que insuflação de orgulho que se deu no meu peito. e ele disse "sim, sim, eu lembro-me. então, e como é que está o seu pai?" e aí parou tudo. "o meu pai já faleceu" e lá veio a mãozinha repousar no meu braço "ah, os meus sentimentos" e ele continuou porque já tínhamos falado de como o pai dele também tinha morrido de cancro - tu lembras-te disso, foi no verão passado, quando lá estivemos. mas eu vai de seguir a falar do carro; filtros e óleo e faróis e travões e tudo e tudo. não vou é alinhar a direcção, não sinto que o carro precise.
mas é estranho. fez ontem 3 meses que tu morreste e ainda dou por mim a dar essa "notícia" às pessoas. não é suposto, pai. não é suposto eu ter de estar sempre a dizer que morreste. assim, tenho de ter sempre isso presente, percebes?
não quero pensar que morreste, pai.

mas o último assunto que me traz aqui hoje é o rex. liguei à mãe há bocado, porque ela de manhã tinha ido ao cemitério, mandou-te fazer um coração de flores pelo dia dos namorados. oh, o que tu ririas com isso. tu que não ligavas a nada dessas coisas. acho que se eu alguma vez te desse uma prenda no dia do pai ficarias ofendido. não gostavas nada do conceito de haver um dia para uma coisa. pai eras tu todos os dias. ainda és. eu ainda digo que sou tua filha, não digo que fui. sou. SOU.
mas pronto, estava a falar com a mãe e ela começou a contar-me que quando chegou a casa, foi dar com o cão deitado, assim meio a babar-se e com a cabeça a abanar, como se fossem convulsões. tem as pernas traseiras paradas - pelo menos foi isso que percebi, que não as mexia. ligou para os brejos e para a quinta do conde, mas não tinham veterinários para irem a casa. por isso, ligou ao tio joão que lá conseguiu alguém do barreiro. e não tarda muito vão lá vê-lo. mas a mãe acha que ele está mesmo a morrer a já não acredita que ele se levante dali.
sim, está velhote. mas também deve ter muitas saudades tuas. às vezes noto que este cão foi diminuindo de vida à medida que tu próprio ias ficando doente. eras tu quem brincava com ele, andavam os dois aos pulos feitos doidos no quintal. mas depois com a doença, foste ficando mais fraco e mais preso a casa. e ele também se foi tornando mais pachorrento. pode ser que te queira fazer companhia. aí. onde quer que tu estejas, pai. 

penso muito em ti, mas tu sabes isso. ontem, lá me pus a ouvir-te novamente.
sabes que até voltei atrás para ouvir a tua gargalhada mais de uma vez?

eras tão palhaço. oh, vê lá, nunca ralhaste comigo por te chamar estas coisas quando eras vivo, não vai ser agora que não as vou dizer.

houve muita coisa tua que perdurou.
mas é engraçado como os animais que nos deixaste começam a ir.
primeiro, o gaio e agora o rex.
é como se de certa forma quisesses que começássemos de novo. uma vida liberta das amarras do cancro.

ontem, na missa, a mãe disse que gostava de ir a fátima a pé. aproveitei a minha onda do "queremos fazer, fazemos" e fui logo falar com a marta à sacristia (?), para saber se a mãe ainda podia ir. pode. mas depois começou com coisas de ser muito cedo e não sei quê. mas eu e a mana estamos a fazer uma forcinha para ela ir.

não te vou falar das coisas que ando a fazer, que tu já sabes o que ando a fazer e o que ando a pensar. e nunca comentas nada, és incrível.

és meu pai.


Sunday, January 30, 2011

carta ao pai #4

pai,

há umas semanas, comprei um livro sobre mulheres que perdem os pais - típico meu. e a autora tinha uma cassete com a voz do pai. e eu pensei que não tinha nada teu desse género.

mas, nem sabes! lembras-te quando em 2007 fomos alentejo, com a mana?
hoje, estava à procura de uma fotografia que o guilherme me tirou em tempos e descobri a pasta desse passeio. com vídeos...
e sim, tu apareces nos vídeos e sim, ouve-se coisas ditas por ti.
e a primeira coisa que pensei quando me apercebi disso foi "merda". estava eu realmente pronta para te ver e ouvir?
o melhor vídeo é aquele em que me esqueci do telemóvel ligado, a filmar, dentro da mala e se houve a nossa conversa (incrível como o melhor vídeo tem como origem a minha distracção). eu, com o mapa, a ver para onde vamos - íamos para a barragem do alqueva -, tu a comentar e a mãe a tentar perceber o que dizemos, enquanto gozamos os dois com ela.
a certa altura, tu até a chegar a mandá-la embora para o carro da mana.
o que eu ri quando disseste isso.

chorei um bocadinho quando te vi e ouvi, mas acima de tudo, ri bastante com as coisas que dizias. com o teu tom de voz. o teu. não que tinhas nos últimos meses, depois da corda vocal parada. mas o teu.

tu a dizeres coisas sobre as árvores, as pontes, os rios, "o alentejo profundo".

e estou um bocadinho feliz por saber que sempre que quiser, posso-te ver a andar, a sorrir, ouvir-te a falar e a rir. e acima de tudo, saber que nessa viagem, eu estava sempre contigo, porque fazíamos uma boa dupla em viagens destas.

e fizemos sempre uma boa dupla, até ao teu fim.


obrigada por todas as boas recordações.
mais beijinhos cheios de saudades.

Wednesday, January 19, 2011

carta ao pai #3

pai,

coisas do dia que explicam a decisão que tomei há pouco mais de uma hora: a menina de manhã, o bolo de aniversário e the winter of our discontent.
tinha tempo, sai na praça de espanha. assim que vi as luzes do pavilhão central, quis correr para lá. quis correr até ao pavilhão de medicina, subir ao 2º andar e implorar que me deixassem entrar no quarto onde te vi vivo pela última vez. mas fui muito devagarinho, a observar cada janela, cada porta do IPO. devo ter demorado uma eternidade a percorrer a rua. até parei em certas alturas só para ver melhor. acho que pintaram as paredes do muro, mas como era noite, não tive a certeza. um dia volto lá. quero entrar lá novamente e percorrer determinados corredores, visitar determinados quartos. ajudar até, se for preciso.

sabes, tenho-me lembrado muito do senhor bengaló. nunca mais soubemos dele. a mim custa-me, porque quando saíste do hospital, eu tinha dito que ainda voltava para o visitar e depois acabei por não ir.
a mãe falou com a mulher do senhor armando em dezembro. acho que ela ligou para nos desejar bom natal. ainda não sabia de ti. e disse que não ia contar ao marido. lembro-me também do senhor joão, com quem acabaste por não comer as sardinhas. não sabemos o que é feito dele, também. e tenho-me lembrado do senhor vitor.
lembro-me quando te ia visitar. estavas no recobro. eu falava contigo e tu deslocavas o teu corpo para vê-lo na cama dele. eu ficava chateada, porque estava ali contigo, a perguntar por ti e a contar-te coisas e tu só querias saber do homem que estava a morrer.
lembro-me de muita coisa.
há pouco tempo, lembrei-me de quando estávamos os três a sair e eu tive de te dizer que estavas doente outra vez. lembro-me perfeitamente do sol que fazia. do sufoco que senti por ter de ser eu a pronunciar aquelas palavras. as palavras que acabariam por ser a tua sentença de morte.

não fui para o emprego novo. sei que fiz o que gostarias que tivesse feito, mas não foi por isso que o fiz. foi por achar que era o melhor a fazer. é engraçado, perguntei a opinião de muita gente e custou-me muito não ter a tua, mas só depois de decidir me apercebi que, muito possivelmente, nunca a teria tido. tu, em certas coisas, nunca nos dizias o que fazer. preferias sempre que fossemos nós a escolher determinados caminhos.

o gaio morreu. mas eu e a mãe vamos limpar e pintar a gaiola e arranjar mais passarinhos. acho um bom sinal ela querer continuar a ter pássaros.

sabes, às vezes quando vou para casa, há quem siga o teu carro com o olhar.
e eu percebo.
eu também queria que fosses tu a conduzi-lo.

até qualquer dia.
até sempre, pai.

Friday, January 07, 2011

carta ao pai #2

pappy,


fui hoje a uma entrevista de emprego. em princípio, tudo indica que posso ficar com o lugar. queria muito muito correr para casa para te contar. sempre ficaste muito orgulhoso, como mesmo depois de ter arranjado trabalho, continuava a receber chamadas de outros sítios. mas não ias cá estar, então chorei pelo caminho.
no tal escritório/empresa há um josé? é um sinal teu? se for, dás-me outro sinal?

a mãe não me perguntou nada.

tenho saudades tuas.

marina.