pai,
para todos os lados onde íamos. santiago do cacém. para a direita. para a esquerda. em frente. todas as estradas me queriam levar até ti, pai. e eu reconheci cantos e recantos. e quis contar-te tudo. que estive em são torpes e em sines e andei perto do paiol. passei pela soneca (sonega) e reconheci a estrada. e tive de me esforçar para não dizer "a ver se pergunto ao meu pai se nós quando vínhamos à pesca, vínhamos para estes lados. é que eu conheço esta estrada." e são torpes. lembrei-me da última vez que lá estive. com o fábio. sabes que vi o fábio, pai. não nos víamos há anos. e os anos não nos fizeram qualquer diferença. continuamos a ser os primos que sempre fomos desde pequenos. e sabes que queria lá ter ido. a santiago. queria ter ido à casa da tia glória e à casa da tia emília e à rua da escola. à rua da escola. à rua da escola, pai. e sabes que no regresso era capaz de jurar que tinha reconhecido a "nossa" saída para santiago. e acho que contornei toda santiago do cacém. e não pus lá os pés. na cidade. mas sabes que me senti em casa? sabes que fazer estradas que sei que fiz durante tantos anos me soube a estar em casa. ir a são torpes, então. e sines. não me lembrava de sines. lembrava-me só do quiosque. da casa dos primos. mas são torpes parece que nunca esqueci. falei disso com o fábio. há anos. e outras coisas parvas, pai. a gambia e o pinheiro por causa da tua piada. história? acho que história. aquela. tu sabes. "olha o pinheiro, marques". albergaria lembra-me de ti, não sei porquê. e estradas e caminhos e vezes que pensei que tu saberias. tu conhecerias. tu poderias dizer-me. e eu queria dizer-te que estive aqui e ali. e tu irias perguntar-me por onde fui. e eu respondia. e iríamos os dois ficar a debater estradas e caminhos. e tu ias teimar que seria melhor por outro caminho, ou que a estrada que eu segui não existe e ambos sabemos que iríamos acabar debruçados sobre o mapa [tal pai, tal filha] e eu dizia-te que tinha ido por aqui e apontava-te com o dedo, enquanto tu punhas e ajustavas os teus óculos e olhavas com atenção. e eu dizia-te. aqui e passei aqui. e tu terias algo a dizer-me sobre as estradas e sobre os sítios e quem lá mora. e tudo, pai. e contar-te tudo. e rires de ter andando às voltas em setúbal. em setúbal! e nem preciso de me esforçar para te ouvir dizer por onde deveria ter ido. e as tuas conversas ressoaram em mim toda a semana, pai. e o teu riso e o que me terias dito. e saber que estive tão perto de casa, tão perto da tua casa. e sentir-ma lá bem. e um dia vou lá, pai. prometo. mas se não foi desta, é porque ainda não era para ser. um dia vou lá. e vou ouvir as tuas histórias e as tuas conversas. prometo. garanto-te. eu posso garantir porque te oiço sempre, onde quer que esteja.