Saturday, February 26, 2011

carta ao pai #7

pai,

novo desenvolvimento: aumentei o volume do rádio do carro. sem mudar a estação. sim, tenho ouvido a antena 1. desculpa, mas não tive coragem de mexer nos teus postos de rádio. de mudar aquela que foi a última escolha que fizeste em vida no rádio do teu carro.

isto significa que tenho ouvido fado e notícias e relatos de futebol.
há relatos que não nos interessam.

mas esta semana, apanhei o final do benfica com o estugarda. e sabes o que aconteceu? apercebi-me que estava no teu carro, a ouvir o teu posto de rádio, a ouvir o clube do qual tu me ensinaste a gostar ganhar um jogo, a caminho de uma casa na qual tu já não vives.

descobri segundos depois que já estou extremamente treinada a conduzir e a chorar em simultaneamente. achas que se tiver um acidente e disser "eu estava a chorar porque o meu pai morreu" é motivo suficiente?

percebi que onde mais choro é no carro, porque não tenho de fingir o que quer que seja. sou só e o teu carro e sei que tu não levas a mal. acredito genuinamente que ninguém teria paciência para o que se passa dentro de mim. e sei que tu não levas a mal.

ultimamente, tenho-me apercebido que quando me sinto melhor é quando não me lembro que morreste. e nos últimos dias, tenho-me lembrado muito de que morreste. acho que foi muito pelo carro, sabes? o ter realmente de tomar iniciativa para tratar do teu carro (sim, eu sei que é meu, mas é teu). e a bárbara fez anos.

e daqui a uns dias é março.

é março, pai.

tu e a mãe fazem anos em março.

estás a perceber?

não?

o que eu quero dizer é: acaba lá com esta merda e volta para casa.

não vês que tenho saudades tuas que parece que me apertam o peito e me tiram o ar dos pulmões?

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